https://www.publico.pt/2021/07/23/econo ... cp-1971348" CP deverá ir brevemente comprar mais quatro carruagens ARCO que estão estacionadas na estação de Málaga."Carruagens rejeitadas por Espanha já estão prontas para resolver problemas na CP
PÚBLICO
23 de Julho de 2021, 6:38
CARLOS CIPRIANO (texto) e PAULO PIMENTA (fotografia)
Carruagens Arco foram compradas por 30 mil euros e beneficiaram de um investimento de 156 mil euros. Novas, custariam, pelo menos, um milhão de euros.
Foi em 1 de Julho de 2020 que chegaram a Portugal, em dois comboios especiais, as 50 carruagens espanholas que a CP comprou à Renfe por 1,5 milhões de euros. Um ano depois, as três primeiras estão praticamente prontas para entrar em serviço comercial e são o pretexto para mais uma visita a Guifões do primeiro-ministro António Costa e do ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos.
Após décadas de desinvestimento na ferrovia, qualquer iniciativa que ajude a carrilar o sector é motivo de festa. Mas desta vez, para além da apresentação dos três veículos, aptos a circular a 200 km/hora, há contas que parecem encher de orgulho a CP e o ministro da tutela.
Cada carruagem custou, em média, 30 mil euros. Os operários e engenheiros de Guifões fizeram-lhes uma intervenção que consistiu em “descascá-las até ao osso”, uma expressão que significa que apenas ficou a estrutura (a caixa metálica), os rodados e alguns equipamentos. Foram também retiradas as placas de amianto, as quais tinham servido de desculpa à Renfe para encostar estas carruagens.
A reconstrução passou por montar assentos novos, casas de banho, ar condicionado, iluminação e um serviço de informação ao cliente que foi desenvolvido pela CP. Em cada carruagem gastou-se cerca de 156 mil euros.
Segundo fonte oficial da CP, se fossem compradas novas, carruagens com este nível de conforto poderiam custar entre 1,5 a 2,5 milhões de euros, tendo em conta comparações recentes no mercado europeu deste material. A empresa prefere ser modesta e diz que o custo de um veículo equivalente seria de um milhão de euros.
Acresce ainda o factor tempo, pois uma carruagem nova demoraria cinco anos a ser entregue pelo fabricante (contando desde a fase do concurso público), enquanto as recuperações em curso conseguem injectar material na operação comercial em poucos meses.
É isto que os governantes irão relevar esta sexta-feira em Guifões – que a compra das carruagens a Espanha foi um bom negócio. Sendo certo que também para a Renfe lhe valeu a pena vender barato à CP carruagens que, apenas quatro meses antes, ainda estavam em serviço comercial a fazer comboios de longo curso entre a Galiza e o País Basco. A última viagem tinha sido em 29 de Março de 2020.
A empresa homóloga da CP não sabia o que fazer com tanta carruagem encostada, nem com os custos reputacionais que lhe custaria qualquer das duas soluções: deixá-las degradarem-se lentamente ou demoli-las e mandá-las para a sucata. Portugal resolveu-lhes o problema. E gostou tanto que a
CP deverá ir brevemente comprar mais quatro carruagens ARCO que estão estacionadas na estação de Málaga.
Espaços para bicicletas
Das três primeiras carruagens recuperadas, há uma que tem um bar com máquinas de vending e um amplo espaço para bicicletas. A CP pretende replicar esta valência em todas as modernizações de material circulante, tendo em conta a crescente procura de clientes adeptos da mobilidade sustentável. Na linha do Minho, a empresa tem percepcionado que há cada vez mais cicloturistas a fazer o caminho de Santiago ou a utilizar percursos cicláveis da região, fazendo-se muitas vezes deslocar de comboio.
Mas só em finais de Setembro as primeiras Arco receberão passageiros. Nos próximos dias, estas carruagens irão fazer ensaios de linha. Significa que vão ser verificadas as distâncias de frenagem, o funcionamento das portas, dos WC, da cablagem, das rodas, dos rolamentos, bem como os ruídos, a fim de identificar erros a corrigir. Depois será preciso obter a sua homologação, que será feita na Agência Ferroviária Europeia, em Valenciennes (França).
A boa notícia é que, uma vez obtida a certificação para as primeiras carruagens, esta é válida para todas, pelo que, até Dezembro, a CP conta ter as primeiras nove Arco a circular, seguindo-se uma média de duas por mês a entrar no serviço comercial.
A linha do Minho vai ser a primeira a recebê-las nos serviços inter-regionais entre Valença e Porto e entre Valença e Figueira da Foz. Seguem-se as linhas da Beira Alta e Beira Baixa e, à medida que mais carruagens forem recuperadas, a CP espera introduzi-las também nos Intercidades da linha do Norte, até porque o seu grau de conforto é idêntico, ou até superior, aos das carruagens actuais.
Com estes 50 veículos e com as nove carruagens Schindler e seis Sorefame entretanto recuperadas, e somando a dez Schindler que estão em processo de modernização e mais as quatro espanholas que virão de Málaga, a CP espera aumentar o seu parque de carruagens de 102 (em 2019) para 181. Um aumento de 75% que, só por si, justifica a abertura das oficinas de Guifões.
José Carlos Barbosa, director de Manutenção e Engenharia da região Norte da CP, sublinha que os 150 mil euros investidos em cada carruagem espanhola têm uma elevadíssima componente de incorporação nacional, desde logo na mão-de-obra, mas também nos bancos, cortinas, estofos, pinturas, conversores electrónicos e componentes mecânicos.
“Isto é economia circular. Recuperamos activos que, em vez de irem para a sucata, têm nova utilização. E ao mesmo tempo criamos oportunidades para muitas empresas portuguesas ganharem know how para a produção de componentes para comboios. Como temos o objectivo de construir o comboio português, este é o caminho”, diz, em declarações ao PÚBLICO.
Sorefame vão ser reserva estratégica
A compra das 50 carruagens veio alterar os planos da CP na recuperação de material circulante. A empresa previa recolocar nos carris mais 40 carruagens Sorefame (assim designadas por terem sido construídas na fábrica da Amadora entre 1961 e 1975). Mas as espanholas levaram a dianteira, até porque 36 delas estão aptas para 200 km/h e 14 para 160 km/h, ao passo que as portuguesas não podem andar a mais do que 140 km/h e exigiam maior volume de investimento para lhes aumentar a velocidade.
Ainda assim, está fora de questão demoli-las. A administração da CP quer interromper práticas do passado na gestão do material circulante e prefere guardá-las como reserva estratégica e para projectos futuros se houver expansão da rede ferroviária e novos serviços. Para já, vão ser parqueadas e guardadas na Figueira da Foz e no Entroncamento.
Escola ferroviária arranca em Outubro
Do programa desta sexta-feira faz parte também a visita ao local (também no complexo de Guifões) do futuro centro de competências ferroviário, um investimento de cinco milhões de euros (entre obras e aquisição de equipamentos) destinado a dotar o país com conhecimento técnico necessário ao sector e que se estava a perder nas últimas décadas. Não por acaso, para reactivar Guifões, a administração da CP teve que ir buscar alguns engenheiros que se tinham reformado ou que tinham saído da EMEF para ir trabalhar noutros sítios.
Este centro vai arrancar como escola ferroviária, com cursos de formação profissional, mas pretende também envolver a Academia facilitando a investigação no âmbito de projectos de mestrado e doutoramento. É também neste mesmo ecossistema que a CP e os seus parceiros neste projecto (Infraestruturas de Portugal, metros de Lisboa e Porto, IAPMEI, Universidade do Porto e Câmara de Matosinhos) esperam atrair start ups ligadas à ferrovia e que aqui poderão amadurecer os seus projectos.
Para já, e mesmo sem instalações prontas, o primeiro curso de Técnico de Manutenção e Operação Ferroviária deverá arrancar já em Outubro em instalações provisórias do IEFP. Numa iniciativa inédita, os manuais estão a ser elaborados pela CP, IP e metros de Lisboa e Porto.